
Aprender a escrever é uma das etapas mais importantes no desenvolvimento das crianças. No entanto, algumas não acompanham o ritmo esperado, apresentando dificuldades que nada têm que ver com falta de inteligência, entre essas a disgrafia.
Crianças com disgrafia têm dificuldades em desenhar as letras e/ou têm “letra feia”. Trata-se de um distúrbio que interfere na escrita e pode prejudicar o desempenho escolar e a autoconfiança, o qual pode estar associado a TDAH, habilidade motora e outros fatores.
Conhecer o problema é o primeiro passo para ultrapassá-lo. Aqui trazemos-lhe informações úteis sobre disgrafia, de forma que possa identificá-la precocemente, caso aconteça com o seu filho ou educando.
O que é a disgrafia?
A palavra “disgrafia” tem origem no grego e resulta da junção das palavras dis (desvio) e grafia (escrita). Refere-se, então, a uma dificuldade persistente no ato motor da escrita.
Escrever requer destreza e capacidade motora, as quais se desenvolvem ao longo do percurso escolar. Para escrever bem, é necessário ter alguns requisitos básicos:
Capacidades psicomotoras gerais — incluímos, aqui, coordenação óculo-manual, esquema corporal, motricidade fina, esquema espacial, lateralidade, inibição e controlo neuromuscular, reconhecimento de formas, espaço e distâncias;
Coordenação funcional da mão — a criança tem de dominar os movimentos de pressão e preensão, assim como tem de ter desenvolvida a independência mão-braço;
Hábitos neuromotores — devem estar bem estabelecidos os: posicionamento correto do lápis/caneta, visão e transcrição da esquerda para a direita.
Quando há alguma falha nestes requisitos, a criança pode apresentar:
Traços irregulares ou letras difíceis de ler;
Caligrafia com tamanhos desproporcionados;
Dificuldade em manter as palavras alinhadas na folha;
Esforço exagerado para escrever;
Dores na mão ou no braço ao/após escrever.
A disgrafia não está associada à inteligência, mas sim a problemas motores e ao modo como o cérebro organiza os movimentos necessários para escrever.
Tipos de disgrafia
Há várias classificações dos tipos de disgrafia. São elas:
Motora — a criança compreende os símbolos, mas não consegue reproduzi-los corretamente por dificuldades motoras;
Específica — dificuldade na perceção espacial e temporal, no ritmo da escrita e na perceção de formas para reprodução dos símbolos, mas sem défices motores;
Fonológica — problemas na conversão fonema-grafema pela dificuldade em integrar a forma das palavras;
Superficial — falhas na via visual, não tendo a construção de palavras integrada, originando a erros nos grafemas de palavras homófonas (leem-se da mesma forma, mas escrevem-se de forma diferente) e poligráficas (com grafia arbitrária).
Mista ou profunda — quando mais do que uma via de processamento (visual e motora) está afetada.
Diferença entre disgrafia, disortografia e dislexia
Disgrafia, disortografia e dislexia são todos transtornos relacionados com a escrita, mas não são a mesma coisa. Entenda:
Disgrafia — caracteriza-se pela dificuldade motora e gráfica ao escrever (caligrafia irregular e ilegível), sendo comum apresentar dificuldades de ortografia. Pessoas com disgrafia têm dificuldade em escrever de forma organizada e em linha reta, têm dificuldade em manter a pressão correta ao segurar o lápis, as letras são irregulares (muito grandes ou pequenas, mistura de maiúsculas e minúsculas, sem critério), entre outros sintomas que veremos a seguir;
Disortografia — caracteriza-se pela dificuldade em aplicar regras ortográficas, sem problemas grafomotores ou de leitura. Pessoas com disortografia apresentam dificuldades no reconhecimento e na aplicação de regras de ortografia, o que faz com que cometam erros frequentes (mesmo em palavras fáceis);
Dislexia — é um distúrbio específico da leitura, que pode afetar também a escrita e a compreensão. Pessoas com dislexia frequentemente apresentam dificuldades em entender o que leem, cometem erros durante a leitura e leem devagar. É comum, também, haver uma inversão ou omissão de letras.
Causas possíveis para a disgrafia
A disgrafia pode ter origem:
Evolutiva (maturativa) — quando a estimulação inicial não foi suficiente durante a fase de alfabetização; ou
Adquirida — quando aparece após uma lesão cerebral.
Áreas frequentemente afetadas incluem:
Coordenação motora fina — dificuldade na coordenação olho-mão e mão-olho, no planeamento motor e nas habilidades grafomotoras;
Memória de trabalho — dificuldade em reter e manipular informação, afetando a organização e o planeamento ao escrever;
Perceção espacial e temporal — uso inadequado do espaço da folha, tendendo a escrever de forma descendente ou ascendente, sem um controlo adequado do espaçamento das palavras e/ou letras;
Habilidades psicolinguísticas — dificuldades na conversão fonema-grafema, na fluência da escrita, sintaxe, morfologia, fonologia, semântica e pragmática da linguagem;
Lateralidade indefinida — como no caso de algumas crianças ambidestras.
Sinais e sintomas de disgrafia
Detetar a disgrafia cedo pode ser difícil, uma vez que a escrita é uma competência complexa que se adquire ao longo do tempo. Ainda assim, existem sinais que nos podem alertar para o problema:
Caligrafia trémula ou pouco legível;
Caligrafia inclinada;
Traços e/ou letras muito grossos/finos ou pequenos/grandes;
Espaços irregulares entre letras e/ou palavras;
Pressão demasiado forte ou demasiado fraca no papel;
Letras sobrepostas, mal ligadas ou desalinhadas;
Escrita muito lenta;
Dificuldade em segurar corretamente no lápis;
Folhas desorganizadas, sem respeito por linhas ou margens.
Se o seu filho, ou educando, apresenta alguns dos sinais acima, procure um profissional adequado para fazer o diagnóstico.
Exemplos de manifestações da disgrafia
Abaixo, encontra uma tabela com exemplos concretos das manifestações da disgrafia, com base nos tipos e sintomas mais comuns.
Característica | Descrição | Exemplo |
Letra ilegível | A caligrafia é difícil de compreender, mesmo para quem escreveu. | A criança escreve a palavra "casa" de uma forma que se assemelha a "cr/s\a", com as letras sobrepostas e mal definidas. |
Tamanho e espaçamento irregulares | As letras e palavras têm tamanhos variados e o espaçamento entre elas é inconsistente. | Numa mesma frase, a letra “a” pode aparecer grande e a letra “o” pequena. As palavras podem estar muito juntas ou muito separadas, sem um padrão. |
Má orientação espacial | Dificuldade em respeitar as margens do papel e a linha de base da escrita. | A criança começa a escrever no meio da página, a frase pode seguir uma trajetória ascendente ou descendente. |
Pressão inadequada do lápis | A força aplicada no lápis é excessiva ou insuficiente. | Ao escrever, a criança pode fazer tanta força que o papel rasga, ou, pelo contrário, a escrita pode ser tão leve que mal se consegue ler. |
Lentidão ao escrever | A velocidade de escrita é significativamente inferior à esperada para a idade. | A criança demora muito tempo para copiar um pequeno texto, sendo o último a terminar a tarefa, mesmo notando que está a fazer um grande esforço. |
Dificuldade com a escrita cursiva | Problemas em ligar as letras de forma fluida e correta. | As letras não se conectam, ou a ligação é feita de forma desajeitada e incorreta. |
Postura e pega do lápis incorretas | A forma como a criança segura o lápis e a sua postura corporal ao escrever são inadequadas. | A criança segura o lápis com todos os dedos, ou com o punho fechado, e inclina-se excessivamente sobre a mesa ao escrever. |
Tratamento e intervenção
Não há uma regra para o tratamento ou plano de intervenção, ainda mais porque há diferentes tipos de disgrafia, como descrevemos acima.
O tratamento deve ser adaptado a cada criança, tendo em conta as suas dificuldades. Contudo, podemos dizer que a reeducação do grafismo está relacionada com o desenvolvimento do grafismo, com a especificidade do grafismo e com o desenvolvimento motor.
Nesse sentido, algumas estratégias costumam ser adotadas, entre elas:
Terapia ocupacional — útil para melhorar a motricidade fina, a postura, o controlo corporal, a representação mental do gesto usado ao escrever, a perceção espaciotemporal, entre outros aspetos motores;
Psicopedagogia — com o intuito de trabalhar a caligrafia e corrigir erros de grafismo;
Atividades práticas — desenho, pintura, recorte e outros trabalhos manuais podem ajudar a desenvolver a escrita;
Adaptações escolares — algumas crianças podem carecer de tempo extra em testes, por exemplo;
Exercícios de relaxamento — reduzir a ansiedade e a tensão durante a escrita com exercícios de relaxamento mostra-se eficaz em crianças com disgrafia.
Apoio em casa e na escola
O acompanhamento dos pais, educadores e professores é muito importante (tanto quanto as terapias). Assim, preste apoio ao seu filho, educando ou aluno:
Valorizando o esforço da criança, e não recompensando apenas o resultado;
Entendendo e validando os sentimentos da criança quando escreve;
Evitando comparações com colegas ou irmãos;
Facilitando as adaptações na escola (no caso dos professores);
Incentivando jogos e atividades que envolvam coordenação motora;
Incentivando uma postura adequada;
Criando um espaço calmo para estudar e escrever;
Disponibilizando ferramentas que facilitem o uso correto do lápis/caneta;
Ensinando técnicas de relaxamento;
Celebrando pequenas vitórias no processo de aprendizagem.
FAQ’s
A disgrafia tem cura?
A disgrafia não tem cura, mas existem estratégias de intervenção que vão ajudar a reduzir os sintomas, fazendo com que a criança melhore significativamente a escrita.
Como distinguir disgrafia de letra feia?
A “letra feia” melhora ao longo do processo de ensino, enquanto a disgrafia mantém padrões persistentes de desorganização, dor ou esforço excessivo ao escrever.
Quem faz o diagnóstico da disgrafia?
O diagnóstico de disgrafia é feito por equipas multidisciplinares, com neuropediatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e psicopedagogos.
É importante identificar a disgrafia precocemente, uma vez que a intervenção/tratamento obtém melhores resultados quanto mais cedo começar.
O apoio especializado, as intervenções personalizadas e o acompanhamento da família e da escola é essencial para reduzir as dificuldades e para dar à criança as ferramentas necessárias para se desenvolver de forma confiante e autónoma.
